<i>Queremos falar!</i>

Sónia Melo

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Lá fora cheira a eucaliptos. Dentro a azeite recém extraído. Sete toneladas de azeitonas são aqui prensadas diariamente entre novembro e janeiro. O lagar da Serra do Pinheiro situa-se na aldeia com o mesmo nome, na freguesia da Sertã, a escassos quilómetros do centro geográfico de Portugal.

Nos últimos meses do ano são oliveiras e azeitonas o tema central das conversas na aldeia. Neste lagar porém, no ano em que a troika decide o futuro dos portugueses, discute-se o passado de quem levantou a voz contra a opressão.

José Roupiço Simões, proprietário do lagar, nasceu há 65 anos na Covilhã, estudou Engenharia Civil em Coimbra e conta hoje, preocupado com a atual crise económica e social que se vive no país, como chegou a fazer parte da crise académica de 1969. Afirma que é necessário estar atento, exigir o cumprimento dos direitos sociais, fazer-se ouvir. Sempre. A expressão «queremos falar» dos estudantes de Coimbra aquando da inauguração do edifício de Matemáticas da Faculdade de Ciências a 17 de abril de 1969 ficou-lhe cravada não apenas na memória mas sobretudo na retórica. Uma vez que toma a palavra José Simões não se deixa interromper, seja para esclarecer o processo da fabricação do azeite ou para contar como ocorreram as lutas estudantis em que participou contra o fascismo.

Enquanto o moinho de martelos mecânicos transforma durante várias horas as azeitonas numa massa a ser prensada, abre-se uma garrafa de vinho tinto na sala social. A espera faz parte do ritual nos lagares, assim o confirma a expressão pintada nos azulejos numa das paredes: «lagares são vagares». É neste contexto que cada agricultor traz consigo, juntamente com os sacos de azeitonas, alguma coisa para petiscar, para passar o tempo. Queijo, presunto e pão caseiro acompanham o vinho da região. Entretanto o empregado de José Simões controla a centrifugadora de onde sairão as primeiras gotas do óleo de oliva.

José Simões relembra a infância passada com os avós na aldeia, que construíram há 60 anos este lagar. Na adolescência e juntamente com outros estudantes em Coimbra, fez greves aos exames e manifestou-se pela libertação do presidente da associação académica em 1969, preso pela PIDE por ter exigido falar aquando da dita inauguração.

José Roupiço Simões foi perseguido pela polícia política, preso, libertado, novamente perseguido e acabou finalmente por viver três anos na clandestinidade em Lisboa. Foi nesta altura que se tornou funcionário do PCP, tendo permanecido catorze anos em funções. Em 1986 decidiu dedicar-se à agricultura, voltando à terra dos avós e tomando assim as rédeas do lagar da Serra do Pinheiro.

Lentamente vem o azeite ao de cima, separa-se da água e do bagaço, escorrendo para o tanque de aço inoxidável. Ao de cima vem também o papel fundamental que tiveram aqueles estudantes, não se deixando levar pela demagogia de liberalização de Marcelo Caetano e abrindo assim caminho à Revolução de Abril. 43 anos depois parece ser neste país tão atual como nunca, senão ainda mais, voltar a exigir a palavra e gritar «queremos falar!».



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